A partir de 1970 o Brasil começa a dar os primeiros passos, de forma ainda tímida, em direção à proteção jurídica ao meio ambiente, destaque para os primeiros diplomas legais que visavam a qualidade ambiental. Entretanto, somente no início dos anos oitenta, temos a criação do primeiro marco ambiental, a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e em seu art. 3º, inciso I, o conceitua como: conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; e a Lei nº 7.347/85, a qual disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, possibilitando o acesso coletivo à Justiça para defesa do meio ambiente.
Importante destacarmos que as Constituições anteriores a 1988 trouxeram tímidas e esparsas influências sobre a proteção do meio ambiente, conforme preceituado por Edis, Milaré, em seu trabalho intitulado Direito do Ambiente.
Faltavam, até então, normas constitucionais que fundamentassem uma visão global da questão ambiental, que propende para a proteção do patrimônio ambiental globalmente considerado.
Segundo José Afonso da Silva, em seu estudo Direito ambiental constitucional:
“a Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental”, trazendo mecanismos para sua proteção e controle, sendo tratada por alguns como “Constituição Verde”.
Dessa forma, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, deu ao meio ambiente um tratamento constitucional unitário, consagrando-o como um direito fundamental, de terceira geração ou dimensão, ou seja, direito de titularidade coletiva e difusa, inserido em um capítulo específico (Capítulo VI ― “Do Meio Ambiente”), no Título VIII ― “Da Ordem Social”:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.“
Da leitura do art. 225, à luz do princípio da solidariedade intergeracional, observa-se que uma das marcas do Direito Ambiental é a atuação – concomitante – do Poder Público e da sociedade civil (coletividade). Em outras palavras, embora o Estado seja um dos agentes atuantes deste processo, com efeito, faz-se necessária a cooperação do seu corpo social.
O meio ambiente enquadra-se, portanto, em um direito de maior amplitude ― um direito subjetivo, oponível erga omnes, de natureza difusa e de interesse transindividual, garantido constitucionalmente e revestido das características de inapropriabilidade, indisponibilidade e indivisibilidade, submetido a um peculiar regime jurídico de uso e fruição. A propósito, a universalização dos direitos individuais, sociais e difusos é uma das características da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Neste sentido, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO afirma que o meio ambiente é:
“Direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação ― que incumbe ao Estado e à própria coletividade ― de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações.”
Assim como NORBERTO BOBBIO defende que o meio ambiente:
[…] ao lado dos direitos sociais ― direitos de segunda geração ―, “emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração. […] O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído.
Com efeito, para JOSÉ RENATO NALINI: “O direito ao meio ambiente consta da Carta Política e muito embora topologicamente distanciado da enunciação dos demais, isso em nada desnatura a sua essência […].”
Dessas assertivas é possível concluir que o art. 225 é uma extensão do Art. 5°, uma vez que explicita um direito fundamental e, portanto, suas normas são de eficácia plena, não necessitando de norma subconstitucional para operarem efeitos.
Assim, MARIA HELENA DINIZ sustenta:
“São plenamente eficazes as normas constitucionais que forem idôneas, desde sua entrada em vigor, para disciplinarem as relações jurídicas ou o processo de sua efetivação, por conterem todos os elementos imprescindíveis para que haja a possibilidade da produção imediata dos efeitos previstos, já que, apesar de suscetíveis de emenda, não requerem normação subconstitucional subsequente.“
Em razão disso, podem ser utilizadas perante o Poder Judiciário, mediante todo o rol de ações de natureza constitucional, tais como a ação popular e a ação civil pública.
“Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…] LXXIII – Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento das custas judiciais e do ônus da sucumbência; […]“
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
“[…] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;“
Isto posto, o Direito Ambiental é um direito sistematizador e relacional, na medida em que decorre da interação de diversos elementos que permeiam e estabelecem dois objetos de tutela ambiental ― “um imediato, que é a qualidade do meio ambiente; e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, sintetizada na expressão qualidade de vida.”
A esse respeito, TOSHIO MUKAI:
“O Direito Ambiental (no estágio atual de sua evolução no Brasil) é um conjunto de normas e institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do direito reunidos por sua função instrumental para a disciplina do comportamento humano em relação ao seu meio ambiente.“
Diante do exposto é possível concluir que a definição de meio ambiente é ampla e indeterminada e caberá ao seu intérprete, mediante uma análise casuística, o preenchimento do seu conteúdo. Dessa assertiva, verifica-se que, mais do que um ramo autônomo do direito, é transversal aos demais ramos, configurando a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade da matéria ambiental.
Com essa orientação, FELIX GUATARI:
“Mais do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar “transversalmente” as interações entre ecossistemas, mecanosfera e Universo de referências sociais e individuais.”
De certa forma, é possível analisar o ambiente como algo dinâmico, enquanto expressão da estrutura social, econômica, política, assim como de suas combinações e práticas sociais.
Vale lembrar MICHEL PRIEUR:
“Na medida em que o ambiente é a expressão de uma visão global das intenções e das relações dos seres vivos entre eles e com seu meio, não é surpreendente que o Direito do Ambiente seja um Direito de caráter horizontal, que recubra os diferentes ramos clássicos do Direito (Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Internacional), e um Direito de interações, que se encontra disperso nas várias regulamentações. Mais do que um novo ramo do Direito com seu próprio corpo de regras, o Direito do Ambiente tende a penetrar todos os sistemas jurídicos existentes para os orientar num sentido ambientalista”.
Em síntese, o Direito Ambiental, minimamente, tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica que devem ser compreendidas de forma harmônica, o que implica reconhecer que há restrições à utilização dos recursos naturais, quando possa vir a ser gravosa, independentemente da titularidade dos bens. Trata-se, segundo RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, de “interesses que depassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva”
Paradoxalmente, quando há o reconhecimento do meio ambiente como um direito fundamental no Brasil, o Poder Público não consegue colocá-lo em prática, seja nas instâncias Federal, Estadual ou Municipal. O que é visível pelo excesso de burocracias regulamentares, travestidas de normas legais e técnicas, acompanhadas pela falta de corpo técnico qualificado nas autarquias ambientais.
Em outras palavras, não obstante, em tese, ter havido avanço e os princípios constitucionais estarem postos e o Direito Ambiental ser um direito essencialmente constitucional e estar agregado nos rol de direitos fundamentais, na prática, não houve a efetiva implementação e o tratamento unitário à tutela ambiental, não se observando, em sua integralidade, a internalização dos direitos e garantias fundamentais, o que, por óbvio, constitui uma afronta explícita ao texto constitucional. Importante ressaltarmos, que a burocratização dos processos ambientais, por meio da criação de um emaranhado de diplomas legais, não é o caminho para a efetivação do meio ambiente como direito fundamental, precisamos fazer cumprir de forma simples e eficiente a norma constitucional que nos promete o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Se você gostou do texto, deixe a sua opinião, como podemos garantir o meio ambiente equilibrado como um direito fundamental para a nossa e as futuras gerações? Não esqueça que não comemos dinheiro, mas também não compramos arroz e feijão com abraços…
¹ BRASIL. Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2 set. 1981.
² MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. Editora Revista dos Tribunais, ano 2007.
³ SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
⁴ SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 6. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1994: “direito fundamental é aquele que a todos, por igual, deve ser reconhecido, não apenas no plano formal, mas concreta e materialmente efetivado”.
⁵ Poder que se atribui não ao indivíduo, identificado em sua singularidade, mas à coletividade.
⁶ “De acordo com Ingo Sarlet[…] a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para, além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno […]”
⁷ BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, 1998.
⁸ Norma assecuratória do direito de uso do bem ambiental ecologicamente equilibrado pelas gerações futuras.
⁹ BENJAMIM, Antônio Hermam V. Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 51: “a coletividade conquistou a posição de poder dividir com o Estado as responsabilidades ambientais, ou seja, trazer a si, o exercício da função ambiental”.
¹º Norma ou decisão com efeito vinculante, ou seja, não se esgota numa só pessoa, mas se espraia para uma coletividade indeterminada.
¹¹ BRASIL, Supremo Tribunal Federal (STF). Julgamento do MS nº 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, em 30.11.1995. In: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
¹² BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução e Denise Agostinetti. Revisão de Silvana Cobucci LEITE. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 5
¹³ NALINI, José Renato. Ética ambiental. 3. ed. Millennium, 2010. p. 231.
¹⁴ BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, 1998: em seu Art. 225 – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações […]”.
¹⁵ BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, 1998: em seu Art. 5° – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.
¹⁶ DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 99.
¹⁷ BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, 1998.
¹⁸ BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, 1998.
¹⁹ SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 54: “em face dessa sistematização, buscou-se tutelar não só o meio ambiente natural, mas também o artificial, o cultural e o do trabalho”.
²º MUKAI, Toshio. Direito e legislação urbanística do Brasil: história, teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 1988.
²¹ GUATARI, Félix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990. p. 25.
²² CASTELLS, Manuel. La cuestión urbana. México: Palloma, 1996. p. 73.
²³ PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement. In: Universidade de Limoges, França.
²⁴ O proprietário de uma floresta, em que pese seja proprietário, está obrigado a não degradar as características ecológicas que são de uso comum, uma vez que do direito de propriedade, não autoriza fazer com o bem ambiental aquilo que permite fazer com outros bens.
²⁵ MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Comentários ao código de proteção do consumidor. Saraiva, 1991. p. 275.